— NOTAS PARA O ESQUECIMENTO —
By Ju Blasina
“Esta é a história da minha vida e pós-vida.
Por que a estou escrevendo?
Não sei ao certo...
Talvez, ao final, um de nós descubra”
LUNNA
Imagem: Jairo Tx
EU ERA APENAS UMA CRIANÇA quando descobri que a vida seria difícil. Éramos uma pequena tribo errante: meus pais, avós e eu. Cresci ouvindo meu avô contar o episódio do meu nascimento:
Dizia ele que o mal e o bem, existentes em toda criatura, vieram divididos em duas partes, duas meninas e que, conforme mandava a tradição, a face do mal foi identificada e dada em sacrifício ao Sol, garantindo a mim uma vida feliz e próspera...
Se essa é ou não a verdade, eu nunca soube, mas passadas tantas décadas, desisti de esperar por tal recompensa. Lembro de espiar minha mãe chorando escondida enquanto segurava uma pequena mecha de cabelo. Talvez minha irmã tenha morrido em outras circunstâncias e meu avô, como grande contador de estórias que era, transformou o incidente nesta parábola, apenas uma das tantas parábolas que eu nunca entendi. Lamento que seus ensinamentos tenham se dispersado no fragmentar de minhas memórias. Guardo apenas uma frase clara, algo que ele me dizia com frequencia:
Wenona não era exatamente um nome — eu era muito pequena para os grandes sonhos de onde vem os nomes — me chamavam assim, de acordo com a ordem do meu nascimento; em sioux, Wenona significa “a primeira filha”.
A montanha nunca me batizou, por isso, durante a vida, passei por muitos nomes. Nomes que nada significavam para mim, exceto que eu não sabia o que ser. Muitos acham que isso é besteira — muitos são idiotas — o nome pode determinar o destino do indivíduo. Um nome errado é mil vezes pior que nome algum. Foi só na morte que encontrei meu verdadeiro nome: Lunna.
Nossa tribo era composta de duas ou quatro famílias, não estou bem certa disso — o tempo confunde os números e borra os rostos — vagávamos em busca de novas terras, porque o homem branco nunca tinha terras o suficiente! Era como se não restasse chão algum em que pudéssemos parar. Andávamos sempre, seguindo adiante sem saber sequer para onde.
Hoje, quando ouço alguém dizendo “bons tempos aqueles”, preciso me segurar para não voar no pescoço do infeliz. Nunca houve essa besteira de “bons tempos”, não que eu tenha visto e acredite, eu vi muitos deles. Os “tempos” são sempre difíceis, todos eles!
Por onde quer que passássemos, nossa presença era incômoda. Lembro de ir a uma feira com meu pai e de lá sairmos enxotados; arremessavam coisas em nós; perguntei a ele o porquê de tanto ódio e ele disse:
Pouco tempo depois, pude constatar que ele estava certo... Numa dada noite o sangue delas ferveu e o ódio tomou grandes proporções:
Acordamos em meio às chamas. Os homens tentavam inutilmente conter o fogo, enquanto as mulheres protegiam as crianças. Os jovens salvavam o que dava. Lembro de minha mãe dizendo:
”Wenona, tá vendo aquela lua? Ela vai te proteger enquanto o sol não vem. Agora corra! E só pare quando teus pés sangrarem. Não precisa chorar, sangrar é bom...”
E secando as próprias lágrimas, me entregou uma pequena trouxa de pano com tudo que havia conseguido salvar; um “tudo” que era quase nada...
“Agora vai: que Magena te proteja”.
Eu corri, enquanto o fogo foi ficando para trás, pequenas labaredas dançando na noite escura. Era até bonito de se ver:
Meus pés demoraram muito a sangrar e quando finalmente parei, já não via mais o fogo, já não havia mais a lua, não havia mais nada: A noite partiu, sem deixar sequer rastro da vida que tinha.
Foi um ensaio da morte, mal sabia eu que o grande show estava longe de começar...
Dizia ele que o mal e o bem, existentes em toda criatura, vieram divididos em duas partes, duas meninas e que, conforme mandava a tradição, a face do mal foi identificada e dada em sacrifício ao Sol, garantindo a mim uma vida feliz e próspera...
Se essa é ou não a verdade, eu nunca soube, mas passadas tantas décadas, desisti de esperar por tal recompensa. Lembro de espiar minha mãe chorando escondida enquanto segurava uma pequena mecha de cabelo. Talvez minha irmã tenha morrido em outras circunstâncias e meu avô, como grande contador de estórias que era, transformou o incidente nesta parábola, apenas uma das tantas parábolas que eu nunca entendi. Lamento que seus ensinamentos tenham se dispersado no fragmentar de minhas memórias. Guardo apenas uma frase clara, algo que ele me dizia com frequencia:
”Wenona, não ouça apenas o que as palavras dizem, ouça o silêncio,
procure o sussurro perdido no vento”.
procure o sussurro perdido no vento”.
Wenona não era exatamente um nome — eu era muito pequena para os grandes sonhos de onde vem os nomes — me chamavam assim, de acordo com a ordem do meu nascimento; em sioux, Wenona significa “a primeira filha”.
A montanha nunca me batizou, por isso, durante a vida, passei por muitos nomes. Nomes que nada significavam para mim, exceto que eu não sabia o que ser. Muitos acham que isso é besteira — muitos são idiotas — o nome pode determinar o destino do indivíduo. Um nome errado é mil vezes pior que nome algum. Foi só na morte que encontrei meu verdadeiro nome: Lunna.
Nossa tribo era composta de duas ou quatro famílias, não estou bem certa disso — o tempo confunde os números e borra os rostos — vagávamos em busca de novas terras, porque o homem branco nunca tinha terras o suficiente! Era como se não restasse chão algum em que pudéssemos parar. Andávamos sempre, seguindo adiante sem saber sequer para onde.
Hoje, quando ouço alguém dizendo “bons tempos aqueles”, preciso me segurar para não voar no pescoço do infeliz. Nunca houve essa besteira de “bons tempos”, não que eu tenha visto e acredite, eu vi muitos deles. Os “tempos” são sempre difíceis, todos eles!
Por onde quer que passássemos, nossa presença era incômoda. Lembro de ir a uma feira com meu pai e de lá sairmos enxotados; arremessavam coisas em nós; perguntei a ele o porquê de tanto ódio e ele disse:
“Esta é uma resposta que nem mesmo elas tem, Wenona, está no sangue...”
Pouco tempo depois, pude constatar que ele estava certo... Numa dada noite o sangue delas ferveu e o ódio tomou grandes proporções:
Acordamos em meio às chamas. Os homens tentavam inutilmente conter o fogo, enquanto as mulheres protegiam as crianças. Os jovens salvavam o que dava. Lembro de minha mãe dizendo:
”Wenona, tá vendo aquela lua? Ela vai te proteger enquanto o sol não vem. Agora corra! E só pare quando teus pés sangrarem. Não precisa chorar, sangrar é bom...”
E secando as próprias lágrimas, me entregou uma pequena trouxa de pano com tudo que havia conseguido salvar; um “tudo” que era quase nada...
“Agora vai: que Magena te proteja”.
Eu corri, enquanto o fogo foi ficando para trás, pequenas labaredas dançando na noite escura. Era até bonito de se ver:
As chamas vermelhas, rodopiantes, iluminadas pela lua.
O vento soprava os lamentos, como uma canção tocada ao longe.
O vento soprava os lamentos, como uma canção tocada ao longe.
Em minha inocência de menina aquilo pareceu mais belo do que deveria.
Meus pés demoraram muito a sangrar e quando finalmente parei, já não via mais o fogo, já não havia mais a lua, não havia mais nada: A noite partiu, sem deixar sequer rastro da vida que tinha.
Foi um ensaio da morte, mal sabia eu que o grande show estava longe de começar...
Mal vejo a hora de acompanhar a progressão temível. Adoro esse ar submundo dos seus textos. Tenho visões desse mundo sombrio em cada palavra...até que acaba, aí você fica puta porque acabou hehehe. A imagem é mais que visão, é tato, cheiro, som e gosto. Quem será essa Lunna centro do "mundo"?Aguardo por respostas.
ResponderExcluirViu, Carol, mais um que sabe escrever com um "ar de Storyteller". Então, gostei da atmosfera exótica, do tom meio poético contrastando com a história lúgubre e dessa construção de texto diferenciada. Não sou muito bom com elogios(nota-se), mas eu gostei mesmo, sinceramente. Aguardo também pela continuação. No mais, bem vinda ao Brumas Negras.
ResponderExcluirValeu e aguardem... (preciso manter o suspense em "on" e em "off")
ResponderExcluirOlá! Estou seguindo-te. Temos o mesmo template.
ResponderExcluirhttp://palavrasperversas.blogspot.com/
Ju, ler a sua história acabou por me fazer lembrar de um livro que preciso continuar a leitura. Ele mostra esse quadro de que nunca há terra suficiente para os homens brancos. Será que você leu o mesmo livro que eu?
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