sexta-feira, 19 de junho de 2009

Espreitador Onírico


Willey não sabia onde a coisa – ou melhor, criatura – estava, mas sentia-a sufocantemente próxima. Pensou, quem sabe, pela vigésima vez, que alguém talvez pudesse socorrê-lo, mas sua idéia logo caiu por terra ao ver a madrugada nebulosa que abraçava sua choupana rústica, que há poucos meses chamava de lar. Agora, era como se fosse chamá-la de jazigo a qualquer instante.

É claro, uma pessoa com problemas afetivos e sociais não poderia desejar outra coisa que não a calmaria bucólica do campo, mas Willey sentia uma necessidade gritante de ter ao menos um mínimo contato humano que fosse. Na verdade, sabe-se lá, alguém que o fizesse sentir-se protegido, que pudesse lhe mostrar que as pessoas – incluindo ele – tivessem algum valor. Podia parecer exagero ou loucura, mas ele sentia como se um simples abraço pudesse lhe salvar de sua situação degradante.

Tábuas velhas rangeram sob as solas de suas botas, ainda sujas de terra. Ele respirava no ritmo acelerado de suas batidas cardíacas, aproximando-se cada vez mais de um colapso. Tateou sobre o armário velho, empoeirado e repleto de armadilhas aracnídeas para insetos, até que seus dedos tocaram no metal gélido da arma. Ela era obviamente muito mais apropriada a uma caça do que para qualquer tipo de defesa pessoal, mas era o melhor que ele podia dispor naquele momento. Preparou-a para disparar, e cada estalido metálico lhe fazia palpitar ainda mais o coração, pois pareciam ruidosos como tratores apesar de suaves como uma agulha.

A velha espingarda parecia pesada como a cruz, e com certeza para Willey carregava a mesma ressonância de cruel inevitabilidade da dor e da morte. A coisa estava por lá, espreitando nas sombras, como um grande felino prestes a dar o bote. Os galhos nus de uma macieira arranhavam a janela da sala, no mesmo local onde a coisa estivera observando-o momentos atrás. O rancheiro estava com os sentidos todos embotados, e sua cabeça parecia pressionada pelo exterior, como num mergulho profundo. Um barulho – folhas secas trituradas ao pisar – se pronunciou de uma janela lateral, e o cano da arma logo voltou-se para tal localidade. O coração agora batendo na ponta do indicador direito, o único homem num raio de vários e vários quilômetros aproximou-se a passos lentos de onde viera o ruído, equilibrando-se forçosamente a cada passo.

Claro, não havia nada por lá. Mas houvera, Willey poderia jurar por sua vida. Passou até os ombros pela janela agora aberta e inclinou-se para examinar a grama logo abaixo, mas o negrume da noite enevoada impedia um exame mais minucioso. Entretanto, mesmo não sabendo se a escuridão enganava sua visão, Willey deu por quase certo que alguém por ali passara, e há pouco tempo. Voltou novamente o corpo para dentro e cerrou firmemente a janela, seguindo agora a possível trajetória da criatura, mas pelo lado interno da casa.

A busca do solitário rancheiro lhe levou a fazer um exame superficial pelas janelas do corredor, da sala de jantar e da cozinha, mas obtendo sempre o mesmo vago resultado. Cada vez que se aproximava mais de uma confrontação direta com o ser, Willey se sentia ainda mais apavorado. Suas pernas tremiam, sua respiração estava pesada, ofegante e irregular, e uma vontade de chorar crescia em seu interior. Pior do que um combate físico contra algo desconhecido – que Willey notara como tendo uma vaga forma humanóide, mas de um aspecto totalmente diferente de tudo que era natural e com certeza saído de algum pesadelo febril – era essa sensação de apreensão temerosa, de antecipação de um perigo iminente. Era como nadar cego e sangrando num oceano povoado de tubarões. De certa forma, aquele local era realmente isolado como uma ilha bem no meio do oceano – um ótimo lugar para ser devorado pelos tubarões.

Repentinamente, uma forte batida se fez ouvir na porta da fronte, localizada na sala. Willey respirava pela boca, a face mergulhada em suor frio e tenso. No curto caminho de volta ao cômodo mais amplo da casa, o solitário homem imaginou se iria para o céu ou para o inferno, caso morresse. Ao correr por seu passado, soube que era mais provável que fosse a segunda opção, se realmente existisse essa coisa de vida após a morte. De qualquer forma, ao menos estaria acompanhado por uma hoste de milhões de almas. Sim, teria todo o seu calor humano.

Após o girar rápido da chave, Willey abriu a porta de modo abrupto, já esperando deparar-se cara-a-cara com seu espreitador noturno. Entretanto, não havia nada por lá. Nada, nada além da grama seca e da terra úmida, nada além de algumas árvores quase sem folhas e a brisa outonal que corria pelos seus galhos expostos. Era impossível, ele deveria estar lá. De súbito, Willey olhou para os lados e viu vários e vários seres, mas não eram do mesmo tipo que viera lhe visitar antes.

Estavam lhe chamando. Era a hoste, cortejando o solitário e amargurado homem armado com sua espingarda trêmula. E então, ele entendeu. Deveria partir junto a eles, e só havia uma forma.

E, na verdade, aquilo era bem mais pesado que uma cruz.

4 comentários:

  1. Nossa.
    Um autor que caracteriza o psicológico do personagem.
    Resultado incrível!
    Publique mais, mais, mais!

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  2. Acho que é meu ponto favorito nesse tipo de escrita: o psicológico do personagem. E, bem, tentarei sempre publicar mais, mais e mais, rs.

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  3. A tensão que envolve o texto, nos faz devorar as linhas como crianças gulosase suas guloseimas, mas é o findar da história que mais me cativou. O desfecho que encerrou com chave de ouro o texto tão bem escrito. Quando teremos o próximo?

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