sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Imortal


“Às vezes você tem que TIRAR uma vida.../pra SALVAR uma vida.”
(Mulher-Gato. P. 95, nº8. Março, 2008. Bimestral.)



Resumo
Imortal, de Anderson Santos

U
ma família de antiquários há gerações, que esconde sob móveis manchas de ódio, de vingança e desespero. Hector, o único herdeiro vivo do sangue Szadkoski, procura o vampiro que matou sua mãe, último de um clã que o próprio Hector destruiu.
E surpresas estarão no caminho que ele trilhará nas ruas de Porto Alegre e da pequena São Sebastião do Caí, ao lado de Dayanna, sua bela e corajosa esposa, uma Szadkoski por opção. Surpresas que mostrarão o quanto o sentimento de vingança pode nos transformar em uma versão distorcida daquilo que odiamos e tememos (segunda capa do livro. Disponível em: guiadoleitor.blogspot.com.br/2010/08/lancamentos-imortal-anderson santos.html).

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O Romance Imortal, primeira publicação literária do matemático Anderson Santos, narra ao longo de cento e noventa páginas uma história repleta de elementos encontrados na literatura da primeira metade do século XIX, o Gótico. Esta tendência se caracteriza pelo seu aspecto sistêmico de convenções, isto é, a trama é apoiada por elementos que requerem os demais. A tais elementos, denomina-se parafernália Gótica (VARMA, 1966, apud SCHWANTES, 1999, p. 27). Encontramos em imortal uma trama sobrenatural que envolve vampiros, seres que ameaçam a integridade física dos seres humanos; um jovem valoroso, porém, de caráter dúbio, o herói byroniano Hector Szadkoski; Instalações tétricas, sombrias, ameaçadoras e ermas; idosas fofoqueiras; dentre outras características.
Ser caça vampiros implica no extermínio de determinada espécie. Hector Szadkoski enxerga sua missão como uma única chance de manter a integridade dos seres humanos, uma vez que vampiros se alimentam destes. O protagonista não concebe outra opção senão matar as criaturas e não vê problema em se apropriar dos bens delas. Essa intolerância é comparável à argumentação fascista para destruição do outro, um grande medo de ser destruído por esse outro, que é diferente. Hector jamais mataria ou roubaria um ser humano, porém, por serem os vampiros diferentes, ele suspende sua ética.
A relação entre o herói e sua mulher não é horizontal, embora o poder seja sutilmente apresentado. A sutileza está no fato de Dayanna agir segundo uma lógica integrada à sociedade patriarcal; essa naturalidade da divisão de tarefas torna o casamento dos protagonistas uma relação vertical, sem que ele expresse ordens diretas.
Finalmente, a cruzada contra os vampiros representa uma luta entre essências opostas. Enquanto o casal Szadkoski representa a bondade (por mais que essa vá se relativizando), os vampiros são todos caracterizados como monstros assassinos. Em nenhum momento da obra o protagonista pensa que por se alimentar de carne animal é, ao seu modo, predador, assim como os vampiros. Pra não tornar visivelmente banal esse maniqueísmo, a voz narrativa nos informa da megalomania e da forma manipuladora que os vampiros pensam e agem. Essa descrição dos vampiros os aproxima muito da visão ocidental do demônio, enquanto aproxima o homem que luta contra a ameaça do ideal cristão.

A obra de Santos trata essencialmente da liquidez que caracteriza a ética contemporânea, ou seja, a saga de suas pessoas comuns em busca da sua própria humanidade num mundo hostil e desumano (PALLARES-BURKE p.1). Hector e Dayanna lutam contra a degradação do mundo que aparece, metonimicamente, na imagem do vampiro. Este é sacrificado num holocausto pelo bem comum, assim como judeus na Segunda Grande Guerra (1940-1944) e pode também representar o mundo globalizado em que os Estados Unidos da América invadem países árabes com a proposta oficial de exterminar o Mal, o terrorismo.
Porém, assim como o filósofo Noam Chomsky, afirma que o terrorista maior é o Estado “americano” porque é ele quem tem o real poder e o usa contra quem não tem tantos recursos, podemos enxergar em Hector o reflexo do que ele considera inimigo. O sentimento de vingança (a morte de sua família, principalmente da mãe) que move Hector, o torna uma versão distorcida do que acredita e deseja ser. E essa prática é justificada em prol do bem comum. Consonante com isso, o sociólogo Bauman afirma: Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem pela Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculo aos projetos de vida dos demais cidadãos (idem, p.4 – grifo nosso).
Essa ação contra o outro legitima o assassinato, a extorsão como se fossem leis inválidas porque ao outro não é dada a chance de cidadania plena. No caso, a escolha do vampiro mostra a impossibilidade de humanização, semelhante ao judeu, ao negro, ao pobre, à mulher. Essa relatividade ética do caça vampiros, curiosamente, dentro do padrão hegemônico ocidental, (homem, burguês, por volta dos trinta anos, branco, heterossexual) mostra uma percepção individual contraditória; se o personagem fosse questionado sobre o nazismo, provavelmente não compreenderia sua proximidade com tais ideais.
A obra em si, não traz nenhum rompimento com os ideais hegemônicos e isso é observável, sobretudo, pela prevalência, no final, de Hector. Sua mulher, submissa, morre. O Último dos vampiros, o mais forte, também é derrotado. Então à sobreposição da ordem ao caos (representada pelo outro), não importa quantos sacrifícios sejam necessários. Isso é a sobrevivência do maniqueísmo enquanto teoria e a reafirmação da relatividade ética como prática legitimada.

Corpus:
SANTOS, Anderson. Imortal.  Osasco: Editora 21, 2009.

Referencias:

PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. A Sociedade Líquida:
Zygmunt Bauman. Especial para a Folha (disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:jHcYkHf0gK0J:www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/sociedade_informacao/artigos/modernidade_liquida.pdf+&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESiELPc7yV_01u-XqI85oxu6VJ5xOd4LVH59rihUWb6UNTEelrA63m36wJiQhl2W6fPTEF0Cz5rigztWBtq_PvBgXeNwGq-l4U3ONaZcjLYHP8mc6JHTfnfln_0WEIS-WjnqqDcA&sig=AHIEtbTMF5jGmc4IbWCF6_b8_RtfdfxI3Q).

SCHWANTES, Cíntia. Interferindo no cânone: a questão do Bildungsroman feminino com elementos góticos (Tese), UFRGS, 1997.